quarta-feira, 30 de julho de 2008

The Dark Knight

A sequência da caverna no primeiro Batman, de Tim Burton, é muito reveladora. O protagonista fala dos morcegos que cobrem o tecto da caverna e diz que são «great survivors». É um belo momento de auto-reflexividade, porque a capacidade de sobrevivência do mito criado por Bob Kane é, na verdade, notável. Batman continua a resistir a todas as modas e conjunturas e os dois últimos filmes de Christopher Nolan vieram assegurar a sua longevidade. Não são nenhum deslumbramento, mas são as obras adultas e credíveis que a série, depois do fiasco de Joel Schumacher, precisava. Também o novo Joker, brilhantemente interpretado por Heath Ledger, é mais intenso, mais humano, mais assustador. É o vilão ideal para um filme como The Dark Knight. A actuação de Ledger é memorável e a tão falada nomeação póstuma para os óscares seria um prémio justíssimo, além das maravilhas que faria pelos níveis de audiências da cerimónia.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Metropolis

«Lost scenes from the sci-fi classic "Metropolis," recently discovered in the archives of a Buenos Aires museum, were shown to journalists for the first time in decades on Thursday.

A long-lost original cut of the 1927 silent film sat for 80 years in a private collection and then in the Museum of Cinema in Buenos Aires, where it was discovered in April with scratched images that hadn't been seen before.

Museum director Paula Felix-Didier said theirs is the only copy of German director Fritz Lang's complete film.

"This is the version Fritz Lang intended," said Martin Koerber, a curator at the Deutsche Kinemathek film museum in Berlin, Germany.»
(more)

terça-feira, 22 de julho de 2008

The Happening

The Happening (2008) é a aposta mais arrojada de M. Night Shyamalan. Desta vez, o talentoso realizador quis fazer um filme catástrofe com o mínimo de meios que fosse possível. Efeitos visuais, banda sonora e argumento foram reduzidos à sua expressão mais singela. Tudo o que M. Night Shyamalan precisa para filmar convincentemente o fim do mundo é de uma câmara e alguns actores, mais nada. Por enquanto, não se pode dizer que esta aposta tenha sido totalmente ganha. Os críticos americanos parecem não ter compreendido o filme e falam em incongruências, inconsistências e inverosimilhanças. Mas o tempo é um excelente conselheiro nestas coisas e não deixará de favorecer esta brilhante obra.

domingo, 20 de julho de 2008

Norman Mailer

O romance The Castle in the Forest (2008), de Norman Mailer, procura explicar as origens de Hitler. Mailer acredita que o líder nazi, ainda que não deixe de ser moralmente responsável pelos seus crimes, poderá ter sido manipulado por forças demoníacas. É uma possibilidade extraordinária, mas não deixa de ser historicamente rigorosa ou relevante. O trabalho dos historiadores não consiste apenas numa síntese de factos particulares, mas também na concepção de hipóteses que expliquem as relações, nem sempre evidentes ou verificáveis, entre esses factos. Este carácter hipotético aproxima romance e história, conforme sublinhou o próprio Norman Mailer: «If the novel is good enough, in the end what is created is a mental reality that is very useful for others to contemplate when they’re reading history. In other words, it’s almost as if this is not the way it happened, but keep this in your mind when you’re reading about what did happen, because it may offer insights that you wouldn’t have just by sticking to the facts.»

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Armin Mueller-Stahl

Armin Mueller-Stahl é um actor excepcional. Mas é também um artista subaproveitado, porque muitos dos trabalhos que lhe dão não estão à altura do seu talento. Vimo-lo sobretudo em papéis mais ou menos secundários, como o jurado de 12 Angry Men ou o mafioso russo de Eastern Promises. Porém, o Mueller-Stahl confirma que em cinema não há papéis pequenos. A sua presença deixa uma marca profunda e silenciosa em todos os filmes e assegura que, venha o que vier, o dinheiro do bilhete foi bem investido. Não é um actor, é um anjo da guarda.

sábado, 12 de julho de 2008

Vai Tudo Abaixo

Vale a pena ouvir a dupla Tonzinho e Vininha no programa Vai Tudo Abaixo. Os dois músicos brasileiros interpretam temas de bossa nova que são notáveis sobretudo pelas suas letras. As palavras não são tomadas no seu sentido literal e a graça está precisamente aí: mágoa substitui pachacha, dor substitui pila e sofrimento surge em vez de queca. Ou seja, as palavras significam aquilo que os músicos querem que elas signifiquem. Isto faz da dupla brasileira o número mais poético do programa. A essência da poesia está nessa dissociação permanente de significantes e significados. A linguagem altera-se, renova-se, ganha asas.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Se7en

«[...]The point of that scene in part was to continue heaping on this idea that this is a world where there are nothing but awful ugly choices people have to make. What would ordinarily be happiness gets contorted by reality and it weighs on them like a heavy suffocating dirty coat or like constant rain, or a foul smell that won't go away. It creates sympathy for the Gwyneth Paltrow character and leaves you wondering which unpleasant path is she going to take and adds more to the tragedy later. Not that it should make my opinion weightier but I spent a lot of time working on the film. I (with others) made gluttony and sloth. I know Morgan Freeman is known for playing wise but in this movie and in that scene he isn't giving the advice he would like to give in a normal world. He is giving advice for the stinking world he lives in. You think he enjoyed giving the advice kill the baby and lie about it? Of course not. It stank in his gut. There is no sunshine in Seven. No joy. No happy retirement or rest. No happy endings for anybody. This isn't a movie where there is the possiblility of the thought of happily bouncing a baby on your knee. Where does giving advice about hope and making pleasant choices fit into this movie? Seven is about normal thoughts twisted around barbed wire. It was all the more depressing because when Seven came out the world seemed to be swimming in these murky no win questions.»

(in http://www.rottentomatoes.com/vine/showthread.php?t=160107&page=8&pp=30)

terça-feira, 8 de julho de 2008

The Forbidden Kingdom

O filme The Forbidden Kingdom (2008) começa em grande. A sequência dos créditos iniciais é memorável não só pelo seu colorido, mas também pelo seu poder de síntese. As imagens de Lau Kar-leung, Bruce Lee, Jimmy Wang Yu e outros gigantes resumem na perfeição a essência deste magnífico filme, legatário da tradição longa e prestigiosa dos filmes de artes marciais. Porém, o realizador Rob Minkoff não se limita a imitar os seus antepassados. Muitas vezes, as referências ao cinema de Hong Kong são irónicas e mordazes. E se as suas raízes são inequivocamente chinesas, o seu ritmo, a sua mise en scène e a sua filosofia são apelativos para os públicos de todas as culturas e idades.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Portugal

Não há nada mais português que a cunha. A cunha consiste na recomendação de uma pessoa influente e está profundamente entranhada nas mentalidades e nos hábitos dos portugueses. No nosso país, não é possível fazer o que quer que seja sem ela. Não se consegue arranjar um emprego decente, ganhar um concurso público ou obter colocação na faculdade de medicina sem meter uma cunha; o mérito individual conta pouco ou quase nada. Isto demonstra que o pensamento moral predominante entre nós é o da parcialidade. A generalidade dos portugueses supõe que a moralidade começa com os deveres com amigos, familiares e colegas e mais do que isso não é necessário. Porém, um raciocínio moral destes é insuficiente. Para realmente sermos pessoas decentes, devemos procurar ser imparciais, porque o bem-estar de cada pessoa é igualmente importante e todos são igualmente dignos de respeito.

A mentalidade dos nossos empresários é um caso flagrante de parcialidade. Ao contrário do que ocorre na maioria das economias de mercado do mundo, nas grandes empresas portuguesas é o princípio da cunha que rege a gestão e transmissão de poder. Enquanto que normalmente as direcções e os dirigentes dos grandes grupos internacionais são escolhidos segundo o mérito dos candidatos, em Portugal o que conta quase sempre é a sua origem e o seu apelido. A continuidade das empresas familiares é um objectivo abertamente assumido pelas famílias abastadas, que constituem as elites económicas, sociais e por vezes também políticas de Lisboa e Porto. Partilham interesses, ideais e modos de comportamento. E formam uma rede estreita de interesses, que dificulta o acesso do exterior.

sábado, 5 de julho de 2008

Aristides de Sousa Mendes

Ainda há muitos portugueses que não sabem quem foi Aristides de Sousa Mendes. Porém, o nosso País deve-lhe imenso. As suas decisões enquanto cônsul de Portugal em Bordéus representaram, muito provavelmente, a maior acção de salvamento por um único indivíduo durante o Holocausto. Tudo começou em Maio de 1940, quando Sousa Mendes foi confrontado com um dilema doloroso: obedecer às ordens de Salazar e negar os vistos portugueses aos refugiados que chegavam a Bordéus, ou seguir o apelo da sua consciência e emitir os vistos que significavam a diferença entre a vida e a morte para muitas pessoas, sobretudo judeus. Sousa Mendes tinha tudo a perder: o apreço do regime de Lisboa, uma carreira diplomática de 30 anos e sobretudo a segurança dos 12 filhos que tinha a seu cargo. Mesmo assim, optou pelo mais difícil e, ao arrepio das advertências que chegavam do gabinete de Salazar, decidiu ajudar os fugitivos que se acumulavam à porta do seu consulado.

Quando Aristides de Sousa Mendes regressou a Portugal em 9 de Julho de 1940, aguardava-o uma ironia terrível: o diplomata, que havia auxiliado milhares de refugiados, tornava-se agora, também ele, num refugiado. Salazar, que nunca teve sequer a dignidade de conceder uma audiência ao cônsul, foi implacável e não lhe perdoou a audácia. Depois de um processo disciplinar miserável, veio o desemprego, a pobreza e o desespero. Nos momentos de maior angústia, Sousa Mendes foi forçado a recorrer à sopa dos pobres judaica para poder alimentar a família. Mais: finda a guerra, Salazar colheu com enorme hipocrisia os louros do auxílio a milhares de estrangeiros, um mérito que na realidade nunca pertenceu ao regime mas sim a Sousa Mendes e ao povo português. O cônsul morreu a 3 de Abril de 1954, arruinado mas de consciência tranquila, no Hospital da Ordem Terceira, uma clínica gratuita para os pobres dirigida pelos Franciscanos.

It's alive!